DOENÇA PELO VÍRUS ZIKA
Sumário
- Características gerais
- Etiologia
- Transmissão
- Suscetibilidade
- Manifestações Clínicas
- Laboratório
- Tratamento
- Linha do tempo
************************************************
Características gerais
O vírus
Zika recebeu a mesma denominação do local de origem de sua identificação em
1947, após detecção em macacos sentinelas para monitoramento da febre amarela,
na floresta Zika, em Uganda (1,2).
O
Ministério da Saúde começou a receber notificações e monitorar casos de doença
exantemática sem causa definida na Região Nordeste a partir do final do mês de
fevereiro de 2015, com relato de casos nos estados da Bahia, Maranhão,
Pernambuco, Rio Grande do Norte, Sergipe e Paraíba, todos os casos apresentando
evolução benigna com regressão espontânea, mesmo sem intervenção clínica, com
mais de 6.800 casos identificados até aquele momento (3).
Em 29 de abril,
pesquisadores da Universidade Federal da Bahia anunciam a identificação do
vírus Zika (4,5). Seguindo o fluxo de
investigação laboratorial, os achados foram validados pelo Laboratório de
Referência Nacional para arbovírus, o Instituto Evandro Chagas, no estado do
Pará, em 14 de maio de 2015 (6).
Embora a
primeira evidência de infecção humana pelo vírus Zika tenha ocorrido em 1952, a
comunidade internacional somente passou a reconhecer o potencial epidêmico do
vírus Zika a partir de 2005 e principalmente após o surto de 2007 na Oceania –
Figura 1 (1,7,8).
Figura 1. Distribuição
dos vírus Zika e Chikungunya antes de 2005 e sua expansão no mundo e na
Oceania, entre 2005 e 2015.
Na SE 03/2016,
a Organização Pan-Americana da
Saúde/Organização Mundial da Saúde confirmou a circulação do vírus Zika em sete
(7) novos países/territórios: Barbados, Bolívia, Equador, Guadalupe, Guiana,
Haiti e Saint Martin. Ao todo,
entre a SE 17/2015 e a SE 03/2016, foi confirmada a transmissão autóctone do
vírus Zika em 21 países/territórios nas Américas, como apresentado na Figura 2.
Figura 2 - Países e territórios com
transmissão autóctone do vírus Zika nas Américas, até a SE 03/2016.
No Brasil,
a circulação de Zika vírus foi confirmada por meio de exames laboratoriais, em 22 unidades da federação, distribuídas nas cinco regiões do país (Figura 3) - (9).
Figura 3 – Unidades
da Federação com confirmação laboratorial de Zika vírus. Brasil, 2015.
Fonte: Coordenação-Geral do Programa Nacional de Controle da
Dengue (CGPNCD/DEVIT/SVS). Dados atualizados em 23/01/2016.
É
impossível conhecer o número real de infecções pelo vírus Zika, pois é uma
doença em que cerca de 80% dos casos infectados não irão manifestar sinais ou
sintomas da doença e grande parte dos doentes não irá procurar serviços de
saúde, dificultando ainda mais o conhecimento da magnitude dessa doença. Além
disso, até o momento não há teste sorológico (IgM e IgG) em qualidade e
quantidade disponível, restringindo-se apenas na identificação do vírus por
isolamento ou PCR (Reação de cadeia de polimerase) no quadro agudo da doença.
Considerando todas as limitações, estimou-se o
número de casos de infeções pelo vírus Zika a partir dos casos descartados para
dengue e projeção com base na literatura internacional. Deste modo, a
estimativa de casos de infecção pelo vírus Zika no Brasil, para 2015, pode
estar entre 497.593 a 1.482.701 casos, considerando apenas os Estados com
circulação autóctone do vírus Zika, confirmada por laboratório de referência (Tabela
1). É importante destacar que a maior parte desses casos não irá procurar os
serviços médicos por apresentar quadro assintomático ou oligosintomático. Projeções
mais precisas estão sendo realizadas por institutos de pesquisa brasileiros.
Tabela 1 – Projeção
de infecções pelo vírus Zika em estados com confirmação laboratorial para 2015.
Unidade
Federada
|
Estimativas de infecções pelo vírus zika
|
Unidade
Federada
|
Estimativas de infecções pelo vírus zika
|
||
Limite inferior
|
Limite superior
|
Limite inferior
|
Limite superior
|
||
Alagoas
|
4.023
|
29.066
|
Paraná
|
42.008
|
97.118
|
Amazonas
|
3.119
|
34.264
|
Pernambuco
|
34.579
|
81.303
|
Bahia
|
19.216
|
132.274
|
Piauí
|
3.237
|
27.875
|
Ceará
|
38.485
|
77.469
|
Rio
de Janeiro
|
15.918
|
143.985
|
Espírito
Santo
|
6.481
|
34.190
|
Rio
Grande do Norte
|
4.761
|
29.947
|
Maranhão
|
1.481
|
60.067
|
Rondônia
|
2.911
|
15.383
|
Mato
Grosso
|
8.202
|
28.410
|
Roraima
|
1.450
|
4.399
|
Pará
|
6.357
|
71.400
|
São
Paulo
|
236.494
|
386.249
|
Paraíba
|
6.013
|
34.558
|
Tocantins
|
8.767
|
13.182
|
Brasil
|
443.502
|
1.301.140
|
|||
Obs.: Os parâmetros utilizados para essa estimativa foram os casos
descartados de dengue para o limite inferior e as proporções de casos
ocorridos na Polinésia Francesa com base na população de cada estado. Esses
valores servem apenas para a reflexão sobre o potencial de dispersão desse
vírus que possui mais de 80% dos casos assintomáticos ou
oligosintomáticos.
|
Etiologia
O vírus
Zika é um arbovírus do gênero Flavivírus, família Flaviviridae, cuja possível
associação com a ocorrência de microcefalia não havia sido identificada
anteriormente. Até o momento, são conhecidas e descritas duas linhagens do
vírus Zika, uma africana e outra asiática (1,2). Esta última é a linhagem
identificada no Brasil e estudos publicados em 25 de novembro de 2015 indicam
adaptação genética da linhagem asiática para maior infectividade em humanos (10).
Transmissão
O modo
mais importante de transmissão do vírus Zika é por meio da picada do mosquito Aedes aegypti, mesmo transmissor da
dengue e chikungunya e o principal vetor urbano das três doenças (2,7). O Aedes albopictus também apresenta potencial de transmissão do vírus
Zika e, devido à ampla distribuição, o combate ao vetor se configura a
principal arma contra a disseminação dessas doenças (2). Em relação às demais vias de
transmissão, a identificação do vírus em líquido amniótico indica que este
atravessa a barreira transplacentária, sendo esta a via dea maior importância devido ao risco de dano
ao embrião.
A
identificação do vírus na urina, leite materno, saliva e sêmen pode ter efeito
prático apenas no diagnóstico da doença. Por isso, não significa que essas vias
sejam importantes para a transmissão do vírus para outra pessoa. Estudos
realizados na Polinésia Francesa não identificaram a replicação do vírus em
amostras do leite, indicando a presença de fragmentos do vírus que não seriam
capazes de produzir doença. No caso de identificação no sêmen, ocorreu apenas
um caso descrito nos Estados Unidos da América e a doença não pode ser classificada
como sexualmente transmissível, e também não há descrição de transmissão por
saliva (11,12–14).
Suscetibilidade
Considerando
que o vírus Zika possa ter sido introduzido no Brasil a partir da segunda
metade de 2014 e ocasionando uma nova doença por não ter circulado
anteriormente no país, considera-se que a maior parte da população brasileira seja
suscetível à infecção e não possua imunidade natural contra o vírus Zika. Além
disso, ainda não há vacina para prevenir contra infecção pelo vírus Zika. Até o
momento, não há evidência de que a imunidade conferida pela infecção natural do
vírus Zika seja permanente. Afeta todos os grupos etários e ambos os sexos.
Manifestações clínicas
A infecção
pelo vírus Zika, à luz do conhecimento atual, é uma doença febril aguda,
autolimitada na maioria dos casos e que, via de regra, não vinha sendo
associada a complicações; leva a uma baixa taxa de hospitalização (7,15).
De modo
geral, estima-se que apenas 20%, cerca 2 em cada 10, das pessoas infectadas com
o vírus Zika ficarão doentes, sendo a infecção assintomática a mais frequente (7,15).
Desde que
começou a circular no Brasil os especialistas observaram que o padrão da doença
é caracterizado por febre baixa (menor do que 38,5oC) ou sem febre,
durando cerca de 1 a 2 dias, acompanhada de exantemas no primeiro ou segundo
dia, dor muscular leve, dor nas articulações de intensidade leve a moderada,
frequente observação de edema nas articulações de intensidade leve, prurido e
conjuntivite não purulenta em grande parte dos casos – Tabela 3 (5).
Formas
graves e atípicas são raras, mas quando ocorrem podem excepcionalmente evoluir
para óbito, como identificado no mês de novembro de 2015 pela primeira vez na
história (11). Essas descrições estão em
fase de caracterização e publicação pelas Universidades Federais do Rio Grande
do Norte e de Pernambuco.
Os sinais
e sintomas ocasionados pelo vírus Zika, em comparação aos de outras doenças
exantemáticas (dengue, chikungunya e sarampo), incluem um quadro exantemático
mais acentuado e hiperemia conjuntival, sem alteração significativa na contagem
de leucócitos e plaquetas. Em geral, o desaparecimento dos sintomas ocorre
entre 3 e 7 dias após seu início. No entanto, em alguns pacientes, a artralgia
pode persistir por cerca de um mês (2).
Além da microcefalia, a infecção pelo
vírus Zika também está relacionada à síndrome neurológica, como a Síndrome de
Guillain-Barré (SGB) (2,5,7,16, 17,18).
Na Micronésia,
a incidência histórica média de SGB era de 5 casos por ano. Durante um surto do
vírus Zika naquela região, foram diagnosticados 40 casos de SGB, ou seja, um
número 20 vezes maior do que o normalmente observado. Situação semelhante foi observada na Polinésia (2,16).
No Brasil, a ocorrência de síndrome
neurológica relacionada ao vírus Zika foi confirmada em julho de 2015, após
investigações da Universidade Federal de Pernambuco, a partir da identificação
do vírus em amostra de seis (6) paciente com histórico de infecção de doença
exantemática. Destes, 5 (cinco) foram identificados em soro e 1 (um) em líquido
cefalorraquidiano (LCR), sendo que 4 (quatro) tiveram diagnóstico de Síndrome
de Guillain-Barré e 2 (dois) de encefalomielite aguda disseminada (ADEM).
Metade dos casos eram do sexo feminino; idade variando de 2 a 57 anos. O tempo
entre as manifestações clínicas de Zika e o quadro neurológico variou de 4 a 19
dias. O padrão clínico-epidemiológico não diferiu dos demais casos suspeitos
que ainda estão sob investigação laboratorial.
Tabela 2. Frequência
de sinais e sintomas mais comuns de infecção pelo vírus Zika em comparação com
a infecção pelos vírus da dengue e chikungunya, segundo observações da
Universidade Federal de Pernambuco, até dezembro de 2015.
Sinais/Sintomas
|
Dengue
|
Zika
|
Chikungunya
|
Febre (duração)
|
Acima de 38°C
(4 a 7 dias)
|
Sem febre ou subfebril £ 38°C (1-2 dias
subfebril)
|
Febre alta > 38°C
(2-3 dias)
|
Manchas na pele (Frequência)
|
Surge a partir do quarto dia 30-50% dos casos
|
Surge no primeiro ou segundo dia
90-100% dos casos
|
Surge 2-5 dia
50% dos casos
|
Dor nos músculos (Frequência)
|
+++/+++
|
++/+++
|
+/+++
|
Dor na articulação (frequência)
|
+/+++
|
++/+++
|
+++/+++
|
Intensidade da dor articular
|
Leve
|
Leve/Moderada
|
Moderada/Intensa
|
Edema da articulação
|
Raro
|
Frequente e leve intensidade
|
Frequente e de moderada a intenso
|
Conjuntivite
|
Raro
|
50-90% dos casos
|
30%
|
Cefaleia (Frequência e intensidade)
|
+++
|
++
|
++
|
Prurido
|
Leve
|
Moderada/Intensa
|
Leve
|
Hipertrofia ganglionar
(frequência)
|
Leve
|
Intensa
|
Moderada
|
Discrasia hemorrágica
(frequência)
|
Moderada
|
ausente
|
Leve
|
Acometimento Neurológico
|
Raro
|
Mais frequente que Dengue e Chikungunya
|
Raro (predominante em Neonatos)
|
Fonte: Carlos
Brito – Professor da Universidade Federal de Pernambuco (atualização em
dezembro/2015)
|
Laboratório
O
diagnóstico laboratorial específico de vírus Zika baseia-se principalmente na
detecção de RNA viral a partir de espécimes clínicos. O período virêmico ainda
não está completamente estabelecido, mas acredita-se que seja de curta duração.
Desta forma, seria possível a detecção direta do vírus em um período de 4 a 7
dias após do início dos sintomas. Entretanto, recomenda-se que o exame do material
seja realizado, idealmente, até o 5º
dia do aparecimento dos sintomas (Figura 4).
Figura 4 –
Oportunidade de detecção do Zika vírus segundo técnica laboratorial
(isolamento, reação em cadeia da polimerase via transcriptase reversa – RT-PCR
– e sorologia – IgM/IgG)
Fonte: Adaptado de Sullivan Nicolaides Pathology (2014).
No
Brasil, o exame preconizado para confirmação de vírus Zika é a reação em cadeia
da polimerase via transcriptase reversa (RT-PCR), realizada em laboratórios de
referência da rede do Sistema Único de Saúde (SUS). Até o momento, não existem
ensaios sorológicos comerciais disponíveis para a detecção de anticorpos
específicos para o vírus Zika. Há, entretanto, um esforço coletivo dos laboratórios
de referência para o desenvolvimento de plataformas para realização de provas sorológicas
específicas.
Não existe
tratamento específico para a infecção pelo vírus Zika. O tratamento recomendado
para os casos sintomáticos é baseado no uso de acetaminofeno (paracetamol) ou
dipirona para o controle da febre e manejo da dor. No caso de erupções pruriginosas,
os anti-histamínicos podem ser considerados.
Não se
recomenda o uso de ácido acetilsalicílico e outros anti-inflamatórios, em
função do risco aumentado de complicações hemorrágicas descritas nas infecções
por outros flavivírus.
Os casos suspeitos
devem ser tratados como dengue, devido à sua maior frequência e gravidade
conhecida.
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